sábado, 26 de março de 2011

Visão do horror e visão da esperança: o desastre de Fukushima e as visões de Ezequiel

O mundo foi tomado há exatos 15 dias pela notícia de um forte terremoto seguido de tsunami no nordeste do Japão – talvez o mais terrível terremoto da história desse país.

A polícia japonesa contabilizou até hoje 10.151 mortos e mais de 17.053 desaparecidos como conseqüência do desastre natural que abalou a região e provocou ainda um grave acidente nuclear em um dos reatores nucleares da usina elétrica da província de Fukushima.

Os comentários em relação ao acidente têm sido os mais diversos. Há quem atribua a tragédia a uma reação da natureza à ação devastadora do homem no planeta Terra. Há quem a considere um castigo divino, ou um sinal do fim dos tempos. Há quem a tome como apenas mais um evento da natureza que, infelizmente, atingiu uma usina nuclear.

Leituras e leituras sobre a catástrofe não irão vencer a visão de um homem que está dirigindo o seu carro sobre uma rodovia e se vê repentinamente tomado de todos os lados por um tsunami devastador. Também não darão respostas ao coração da mãe que viu sua casa ruir, seus filhos perderem-se no entulho da onda gigante e que agora está sozinha, sem abrigo e sem família.

A pergunta inevitável que, precoce ou tardia, vem à mente é “Onde estava Deus quando isso aconteceu?”. Será que foi Deus quem moveu a natureza contra o próprio homem, como se fosse um castigo? Ou será que Deus apenas estava de braços cruzados, observando enquanto tudo acontecia, sem tomar atitude alguma? Será que Deus está cego ao sofrimento do homem?

A vida e o ministério do profeta-sacerdote Ezequiel podem-nos ser muito inspirativas nesse sentido. Ezequiel é tido hoje pelos cristãos como um dos maiores profetas da antiguidade e pelos judeus como um dos principais sacerdotes a estabelecer os pilares da religião judaica. De qualquer forma, foi um homem que soube conciliar o ministério profético (oráculos divinos, denúncia de injustiça social, chamada ao arrependimento, etc.) com o ministério sacerdotal (ensino, serviço do templo, separação entre sagrado e profano, etc.).

Mas o que dá a Ezequiel as “credenciais” que o tornam relevante ao falarmos de catástrofes são as visões descritas em seu livro. Sobre as narrativas das visões de Ezequiel paira sempre uma atmosfera de horror sagrado diante do mistério do divino. A visão do vale de ossos secos – que, ao sopro divino, se reanimam, começam a criar juntas e medulas, músculos, carne e voltam à vida, formando um enorme exército – é um bom exemplo.

Ao homem a quem Deus deu visões de horror, certamente também ele deu respostas e palavras de conforto e esperança que vencem o horror, vencem o mistério que é a própria atuação divina e tangem a alma que está estarrecida diante de uma tragédia.

Refletindo sobre as perguntas acima, encontramos algumas respostas no livro de Ezequiel e em outros livros da Bíblia que nos permitem fazer as seguintes afirmações:

1. Deus não utiliza a natureza contra o homem

a) o homem é quem manipula a natureza a seu desfavor: Em primeiro lugar, Deus não utiliza a natureza contra o homem, mas é o próprio homem, a quem Deus imbuiu de um espírito criador, quem manipula e modifica a natureza, às vezes a seu favor, às vezes a seu desfavor;

b) o homem é a coroa da criação, mas também está sujeito à natureza: O livro do Gênesis conta-nos sobre quando Deus criou o mundo. Deus criou o homem e o colocou como coroa sobre toda a criação. Das criaturas de Deus, o homem é a mais complexa, a mais inteligente e a única que Deus criou à imagem e sua semelhança. Porém, ainda que seja a “coroa” da criação de Deus, o homem está sujeito à natureza. O homem não consegue evitar, por exemplo, que o tempo passe – o tempo é definido pela natureza dos astros. O homem também não pode evitar que o outono passe e venha o inverno, muito menos pode evitar o movimento das marés, o ciclo das águas, o dia e a noite. A natureza está em constante movimento, e isso faz parte de sua saúde; não é uma catástrofe. O homem precisa admitir que também está sujeito a esse movimento da natureza em torno de si.

c) Deus tem um pacto de vida com homem, de não destruí-lo por meio das águas: Vamos mais uma vez ao Gênesis. A Bíblia conta que, certa vez, Deus olhou para a humanidade, viu a sua maldade e resolveu destruir todos os homens, preservando a vida de apenas uma família, a de um homem chamado Noé, que sobreviveu porque construíra um barco, conforme a ordem de Deus. Ao final dessa narrativa, Deus coloca no céu o arco-íris e faz um pacto com Noé, de que nunca mais irá destruir a humanidade por meio das águas. Por esse motivo, não devemos pensar que um desastre como a morte de milhares de pessoas por um tsunami tenha sido causado por Deus.

2. Deus não está de braços cruzados

a) a natureza anuncia a cada dia o mover das mãos do Senhor: O Salmo 19 nos diz que o céu anuncia a obra das mãos de Deus, e que um dia fala sobre isso ao outro dia, assim como uma noite fala à noite seguinte. Isso é uma metáfora poética para nos afirmar que a criação é a primeira revelação de que Deus existe e de que ele não está de braços cruzados – pois dá a cada dia ao homem o calor do sol e o descanso da noite. Deus está, portanto, em constante movimento para abençoar o homem. Deus não está, de forma alguma, sentado em uma poltrona, como se fosse um espectador numa platéia-de-uma-pessoa-só, assistindo ao espetáculo da vida humana (tragédia ou comédia grega?), comendo pipoca e tomando guaraná.

b) o tempo de Deus não é o nosso tempo: O apóstolo Pedro (2Pe 3.8) afirma que, para o Senhor, um dia é como mil anos e mil anos como um dia. Nós, seres humanos, estamos limitados, “presos” à contagem de dias do planeta Terra. Mais uma vez, Deus não vê passar o mundo como passa uma escola de samba que atravessa a avenida Marquês de Sapucaí e tem um tempo cronometrado para cumprir seu papel. Deus vê todos os tempos: começo, meio e fim. E novo começo. E Deus já preparou aquilo que ainda há de vir.

c) Deus pede que o homem tenha atitude: Deus deseja que o homem movimente-se no sentido de aproximar-se dele. É necessária uma constante renovação interior: é preciso um coração novo e um espírito novo (Ezequiel 18.31).

3. Deus não está cego

a) Deus vê o nosso sofrimento: Já que estamos falando em sofrimento, que tal falarmos em pecado? Sim, o pecado também leva ao sofrimento, a um sentimento enorme de culpa e a um distanciamento de Deus. Deus vê o nosso pecado? Sim, com certeza, e disso não temos dúvida. O próprio Espírito nos testifica de que, quando pecamos, estamos em um caminho errado e que Deus tem conhecimento disso. Da mesma forma que Deus vê o nosso pecado, ele vê o nosso sofrimento.

b) Deus não tem prazer no nosso sofrimento: A Bíblia afirma em Ezequiel 18.32 que Deus não sente prazer com a morte de ninguém, portanto Deus não tem prazer no nosso sofrimento, assim como não teve prazer na morte daqueles quase 11 mil homens no Japão.

c) O homem tem responsabilidade pelo seu pecado: Embora um terremoto seguido de tsunami seja uma ocorrência comum na natureza e provavelmente não esteja relacionada à ação do homem ou de Deus, não podemos fechar os olhos ao fato de que, com o nosso pecado, “cavamos a nossa própria cova”, como dizia um professor meu na faculdade de Arquitetura. Quando pecamos, ofendemos a Deus. Mas, muito mais do que isso, o pecado nos coloca distantes dele. Quando pecamos contra o nosso próximo, o pecado nos distancia do próximo.

E quanto à natureza? Existe pecado contra a natureza, contra a criação? Certamente, quando pecamos contra o planeta terra, nos distanciamos da natureza e de seu Criador, e apressamos mais um pouquinho o dia da nossa morte, ou talvez da morte de alguém próximo a nós. É necessário que cada um assuma a responsabilidade que tem sobre seu próprio pecado (Ez 18.1-4).


Uma visão da esperança

Na visão do vale de ossos secos narrada por Ezequiel, aquilo que era horror se converte em vida. Deus não deseja que a humanidade torne-se e permaneça como um monturo de ossos ressequidos e sem vida alguma. Deus não deseja que o homem permaneça afastado dele (que é a morte espiritual).

O profeta Ezequiel, em seu livro, anuncia pela primeira vez um Messias que será um “pastor” (Ez 34.23; 37.24), em vez de um “rei”. Anuncia que a glória de Deus voltará a preencher o seu santo Templo (Ez 43) e que o próprio Deus dará ao homem novo coração e novo espírito (Ez 11.19; 36.26). Deus estabelecerá uma nova aliança, mas não para recompensar o povo por sua “volta” para ele, e sim por pura benevolência e graça (16.62-63).

O Deus que Ezequiel anuncia é um Deus que concede perdão ao homem em graça. É um Deus que abomina o mal e o pecado, mas um pastor que cuida do seu rebanho como quem cuida de ovelhas que não sabem por onde devem andar. Um Deus que constrói um Templo novo, estabelece uma nova aliança, dá novo coração e novo espírito.

O Apocalipse de João nos fala nesse mesmo Deus, que um dia irá criar novo céu, nova terra. Um Deus que, em pessoa, enxugará dos olhos dos homens toda lágrima. E não haverá mais morte, nem choro, nem clamor, nem dor. Porque Deus fará novas TODAS as coisas (Ap 21.1-7).

Se no tempo presente não temos respostas, se a morte de mais de 10 mil pessoas em um único dia por conta de um desastre natural nos assusta, devemos descansar a nossa alma em Deus, sabendo que estamos ainda no tempo das “primeiras coisas” (Ap. 21.4), que um dia irão passar. Devemos permanecer seguros de que, em Cristo, a morte será apenas a separação do nosso corpo, pois na eternidade iremos habitar com ele.
Encerro com uma poesia, que é uma música, de Vital Lima, chamada “Sobreviventes”:



As cidades sabem
que as explosões
podem destruir as casas,
soterrar os sentimentos,
nossas canções.

Mas as cidades também sabem
que um coração,
um coração teimoso
reconstruirá escombros
e as nossas canções.

E que há de florescer outra realidade
a plantar-se entre os amantes
e sobreviventes.


sábado, 12 de março de 2011

sobre a vida (Leonardo Boff)

Jesus não veio para inventar uma nova religião, mas para trazer uma nova vida. Então vocês têm que aproveitar a vida, amar a vida, amar a vida em comunidade. [...] A vida está ameaçada porque não é amada.

Leonardo Boff

Rio de Janeiro
27 de outubro de 2008


sobre derrota e vitória (Leonardo Boff)

Nós fomos derrotados, mas não estamos vencidos. Nossa árvore talvez morreu, mas ficou a semente. Eu me sinto uma semente. A semente tem todo o vigor da árvore. E vamos ao encontro do derrotado, o vencido, o ressuscitado: Jesus, o Cristo cósmico, filho de Deus. Ele foi o primeiro derrotado, que foi ressuscitado para nos dar esperança da libertação.

Leonardo Boff

Rio de Janeiro
27 de outubro de 2008


sobre Roma (Leonardo Boff)

É fácil tornar-se ateu em Roma. Em Roma, eles estão mais próximos dos palácios dos césares, mais longe do barquinho de Pedro. Eles estão mais próximos dos palácios e mais afastados de Deus.

Leonardo Boff
Rio de Janeiro, 27 de outubro de 2008


sobre a verdade (Leonardo Boff)

Quem possui a verdade está condenado ao fundamentalismo.

Leonardo Boff

Rio de Janeiro
27 de outubro 2008


sobre a libertação (Leonardo Boff)

A liberdade nunca é dada, ela deve ser conquistada. Por isso: libertação.

Leonardo Boff

Rio de Janeiro
27 de outubro de 2008



sobre Deus (Rubem Alves)

Uma vez me perguntaram se eu acredito em Deus. Eu respondi: "A saudade é o revés de um parto. A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu". Chico. Qual é a mãe que ama mais? É que arruma o quarto para o filho que vai voltar, ou a que o arruma para o filho que nunca vai voltar?

Rubem Alves

Rio de Janeiro
27 de outubro de 2008



sobre altares (Rubem Alves)

Eu construo meus altares à beira do abismo. O abismo continua escuro e silencioso; a despeito disso, eu construo meus altares – altares de música e de poesia. Pois o fogo me aquece e me ilumina.

Rubem Alves

Rio de Janeiro
27 de outubro de 2008


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