quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Incêndio: a parte que não sai no jornal


"Depois de medicada, retirou-se pro seu lar
– aí a notícia carece de exatidão.
O lar não mais existe, ninguém volta ao que acabou.

[...] Ninguém notou, ninguém morou na dor que era o seu mal,
a dor da gente não sai no jornal."
(Chico Buarque - Notícia de Jornal)

Esta manhã, meus irmãos e eu fomos poupados de uma tragédia.

Ao chegar no prédio, à hora do almoço, vi pessoas entrando e saindo, um alvoroço diferente do comum. Os elevadores estavam desligados, havia sujeira, água e cheiro de fumaça pra todo lado.

– Foi o incêndio! – logo alguém me disse.

Que sensação estranha! Subir as escadas sem saber exatamente o que houve. Encontrar o corredor do apartamento cheio d'água. E, em seguida, saber que o fogo foi perto do nosso apartamento...

Fui até o 5º andar, onde o fogo começou. Na sala do apartamento, um sofá chamuscado e algumas cadeiras que restaram. Uma estante com algumas coisas recolhidas. Os quartos e banheiro, reduzidos a pó e cinzas, ainda ferviam de calor.

Em pouco tempo, fiquei sabendo como acontecera: o casal estava dormindo, pela manhã, quando percebeu algo estranho. Os dois se levantaram e foram até o quarto de hóspedes. Ao abrirem a porta, viram a cama já em chamas. Foi o tempo exato de saírem de casa e o fogo entrou no quarto deles – um pouco mais, e não teriam conseguido sair.

Trouxeram a mangueira de incêndio e conseguiram pelo menos molhar alguns móveis na sala, que não foram atingidos pelo fogo. Em pouco tempo, chegaram os bombeiros e conseguiram evitar que algo pior acontecesse.

Algo pior?

Sentada numa das cadeiras, olhando as cinzas a que se reduzira a sua casa, a moradora falou:

– Por quê? Por quê? Tanta gente ruim neste mundo, fazendo coisas erradas, tanto político roubando dinheiro do povo... e a gente aqui, ajudando as pessoas, tem que passar por isso...

A fumaça e o calor mataram o passarinho, que seria solto ainda esta semana. O fogo pegou alguns dólares, que estavam guardados. As chamas lamberam cabelos, lanharam carne, devassaram alguns sonhos.

Diante de uma tragédia, não há explicação, não há conforto, não há sossego para a alma.

Sim, poderia ter sido pior. O fogo poderia ter tomado todo o prédio. Poderia ter destruído outros apartamentos. Alguém poderia ter morrido.

Mas penso que não se mede o sofrimento dos outros. A dor dói, e pronto.

Um livreto repousava sobre o sofá, cheio de fuligem:

– É o livro de sabedoria. – disse a moradora – O fogo não pegou ele.

Uma vizinha abriu em uma página aleatória, que dizia: "Como viver eternamente." Algo sobre observar o dia de hoje, aprender com suas lições e ajudar as pessoas que estiverem por perto.

Nada tão aleatório poderia ter sido mais próprio. Como disse um sábio, melhor é ir a uma casa onde há luto do que a uma casa onde há festa, porque a morte faz as pessoas pensarem na vida. (Eclesiastes 7.2)

Terá sido o acaso? Existe o acaso?

Quando a vida é a única coisa que resta, não adianta chorar.

Quando falta o braço, a mão amiga não tem preço.

Quando Deus é o único horizonte, erguer os olhos e dar o próximo passo é sinal de esperança e de vida.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Postagens mais populares