quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Equinócios (ou Vilarejo: eu vi o céu)

Belém-PA, Cidade Velha. André Coelho, 2006.

Quem freqüenta o Farinha de Tapioca sabe que eu não tenho o costume de postar aqui letras de música. Não é que eu não goste. Na verdade, gosto tanto que criei um blog exclusivo para postar as letras das minhas músicas favoritas, chamado Das Canções a que Sou Preso.

Mas hoje, no comecinho da noite, enquanto eu fazia meu trajeto diário até a colina do Seminário do Sul, onde estudo, cruzando de ônibus as ruas da Tijuca, lembrei-me de uma de minhas canções favoritas da Marisa Monte (daquelas que vivem atadas à alma mesmo) e que, geralmente me remete à Cidade Velha de Belém, ou a Óbidos.

E pela primeira vez visualizei o céu (o céu cristão mesmo, também chamado de paraíso) de uma forma que nunca havia feito antes, profundamente espiritual e tupiniquim:

VILAREJO
Marisa Monte, Pedro Baby, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown


Há um vilarejo ali,
onde areja o vento bom.
Na varanda, quem descansa
vê o horizonte deitar no chão
pra acalmar o coração.
Lá o mundo tem razão;
terra de heróis, lares de mãe,
paraíso se mudou para lá.

Por cima das casas, cal;
frutos em qualquer quintal.
Peitos fartos, filhos fortes,
sonhos semeando o mundo real.
Toda gente cabe lá,
Palestina, Shangri-lá.

Vem andar e voar...

Lá o tempo espera,
lá é primavera.
Portas e janelas
ficam sempre abertas
pra sorte entrar.
Em todas as mesas, pão;
flores enfeitando
os caminhos, os vestidos,
os destinos. E essa canção
tem um verdadeiro amor
para quando você for.

Hoje é Equinócio. Dia e noite do mesmo tamanho. Evento que só acontece duas vezes ao ano e que marca exatamente a entrada do outono (em maio) e da primavera (em setembro).

Não gosto dos dias longos demais do verão. As noites estendidas do inverno até que me agradam bastante.

Mas, no céu que eu imagino, todo dia é Equinócio, como acontece na linha do Equador.

João, na Ilha de Patmos, visualizou o céu com ruas de ouro.

E você?

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Te Vejo, Belém

André Coelho

Deste meu rio de nuvens que me trazem do Rio de Janeiro,
avisto agora uma bruta floresta,
um rio monumental.

Minha alma canta,
como Jobim!
bebo Waldemar!

Eis que vejo meu rio de concreto e de mangueiras...

Ah! Belém!
Quanto tempo desta vez?

Tenho sonhado com teu céu,
tuas nuvens,
teus igarapés...
teu chão.

Chão que agora me recebe
no coração da floresta
de pau e pedra;
um ribeirinho da cidade.

Chão que me conhece,
que tem meu cheiro,
meu peso,
minha religião,
minha alma.

Te vejo, Belém,
da janela deste avião
e não consigo conter uma lágrima teimosa.

(pausa para uma outra lágrima).

Estou louco para suar de novo nas tuas manhãs,
para tirar a minha sesta na tua tarde,
pra sentir a brisa de água-doce da tua noite.

Vem cá, Belém,
dá cá um abraço...
Cheguei!


7 de setembro de 2010

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Umãpe Xe Raperana?*

Em tupi: "Onde será o meu caminho?"


* Frase citada por Ceumar Coelho na canção Banzo.

Solo de um ribeirinho: a mesma periferia (impressões sobre o filme 5x Favela)

Diante da realidade exposta pelo diretores Manaíra Carneiro, Wagner Novais, Rodrigo Felha, Cacau Amaral, Luciano Vidigal, Cadu Barcellos e Luciana Bezerra no filme 5x Favela – agora por nós mesmos, vem a mim uma série de perguntas iniciais: Qual é o Brasil? O que os brasileiros entendem por Brasil e brasilidade? Qual a identidade do brasileiro? O que faz do Brasil Brasil, em qualquer lugar do Brasil?

O filme tem um ar ao mesmo tempo côntico – dadas as narrativas, que lembram alguns contos de Carlos Drummond de Andrade e Lígia Fagundes Telles – e profundamente realista, numa descrição minuciosa da vida nas favelas cariocas, a qual chega a ser ainda mais verossímil do que nas produções Tropa de Elite (José Padilha, 2007) e Cidade dos Homens (Rede Globo, série, 2002-2005).


O quinto episódio do filme, Acende a Luz, dirigido por Luciana Bezerra, foi para mim o mais marcante, não pelo enredo, mas pela simbologia da idéia central, das cenas e dos argumentos.

É véspera de Natal e os moradores do morro estão sem luz. Os técnicos da companhia de energia elétrica não deram conta de restabelecer o funcionamento de um equipamento e, num esforço para tentar garantir que o serviço seja concluído antes do anoitecer, os moradores “seqüestram” um dos técnicos.

Mas a estratégia não surte o resultado desejado e, depois de muita insistência, tudo o que o técnico consegue é fazer a luz funcionar em apenas um poste em todo o morro. E é exatamente sob a luz deste único poste que a vizinhança vem comemorar o seu Natal.

A cegueira que se impõe pela falta da luz. A esperança e a espera pelo seu brilho. Uma luz dada aos homens na noite de Natal. A festa que a todos congrega. O encontro dos diferentes sob a luz.

São todos certamente temas muito interessantes para uma reflexão sobre o episódio e sua relação com o próprio sentido do Natal de Jesus.

Mas outro detalhe me vem.

Na trilha sonora de Acende a Luz, a primeira música executada chama-se Solo do Ribeirinho. Ao contrário do que a própria proposta inicial do filme possa sugerir, a música não é um funk carioca, mas uma guitarrada, ritmo tipicamente paraense, filho “pobre” das antigas guitarradas portuguesas, irmão do carimbó, e parente não muito distante do merengue caribenho, do brega paraense e da jovem guarda – referências comumente citadas pelos tradicionais mestres da guitarrada, como Aldo Sena, Curica e Vieira, ou pelos apreciadores do ritmo.

E surge uma nova questão: o que um ritmo tradicional muito pouco conhecido, que não é nacionalmente popular como a Banda Calypso, executado por mestres tocadores de viola do interior do Pará, tem a ver com a favela carioca?

Um caminho de resposta está em olhar para a periferia. O que nos dizem os moradores da favela da maré? O que nos dizem os ribeirinhos do rio Tapajós? Quais as cores e as dores dos sertanejos do Caicó e dos pescadores de Paraty? Que anseios trazem no coração os guarani do Rio Grande do Sul e os negros do Silêncio do Matá, no coração da Amazônia, próximo a Óbidos?

No princípio de 2008, acompanhei a notícia dos suicídios frequentes em tribos indígenas do Mato Grosso do Sul: em apenas um mês, mais de dez jovens se suicidaram. Um deles, que havia se enforcado, pendia em uma corda amarrada a um galho de árvore e trazia sob os pés, no chão, a inscrição: “Eu não tenho lugar”.

O anseio é um só, o grito é um só. É o grito da periferia pelo espaço, pela liberdade, pelo respeito. É um anseio, um profundo anseio, por dias melhores. Por um dia em que a luz brilhe tanto, que não mais sejam necessárias a luz do sol, da lua ou dos bulbos das lâmpadas incandescentes.

Concluo este artigo com um poema que é uma letra de música. Na verdade, um lundu¹.

O poema fala de sede, de água e de uma vida que corre como um rio.

Para o coração dilacerado e ressecado pela pobreza e pelo desrespeito, há uma água tão pura que nem existe no mundo, mas que pode ser experimentada no coração de quem tem a Jesus.

É setembro, mês em que voltam as chuvas no Brasil. Esperança de fim das queimadas que assolam o país. Esperança de boa safra no próximo verão. Esperança de libertação para os pés que foram colocados de escanteio. Esperança de salvação para o coração do homem.


Alto Mar
Arlindo Lima

Começa o dia de novo,
o sol ainda finge de morto.
Minha vida é esse rio,
represa de desafio,
que o vento filtra os brios,
pois é necessário regar.

Vamos molhar,
água levar...

“A água da vida eu cedo”.
A sede afoga o moleque
e, quanto mais cedo ela cede,
mais cedo na pesca ele investe.
A profundeza estremece,
pois vamos ganhar alto mar.

Vamos pescar,
água levar...

Mas temo a maré quando baixa,
pois nem chuva forte lhe basta.
Eu me distancio da margem,
o barro é a minha imagem.
Então busco a fonte, verdade,
pra água da vida tomar

Vou me molhar,
água tomar...


Ouvir "Mestres da Guitarrada - Solo do Ribeirinho"


Ouvir "Arlindo Lima - Alto Mar"



NOTAS
1. Lundu: dança ritmada por tambores, parte do folclore nortista paraense registrado por Mário de Andrade em suas viagens pelo Brasil nas primeiras décadas do século XX e ainda hoje muito apreciada nas rodas de danças folclóricas em Belém.


FONTES
5x Favela: agora por nós mesmos. Disponível em: www.5xfavela.com.br, acesso em 02 de setembro de 2010.

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