quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

poema da volta

André Coelho




Cada dia...
um gigante...

Cada passo...
tão difícil
e tão longo!

Você não imagina o quanto já andaram estes pés;
não imagina o tamanho dos passos;
não sabe a distância entre Rio e Belém;
nem conhece, dos calcanhares, os laços.

Os dias me tiram as forças;
porém madrugadas, como esta,
fazem-me férteis o coração e os poros.

Um coração grita na noite:
– Queeeeeem?...
Quem nos ouvirá as mágoas?
Quem nos salvará das águas?
Quem terá a chave que abre todo sentimento?
(Céu na Boca)
Outro coração, do alto, grita:
– Aquiiiiiiii!... –,
enquanto grossas gotas de sangue escorrem escuras nas areias
[ quentes do deserto.

Curva-se um par de joelhos,
enquanto repousam os pés,
e a voz, do alto, indaga:
– Quem és?

– Sou eu, teu filho...
   já não lembras de mim?
   Decerto andei disperso,
   não telefonei, não escrevi...
   mas uma coisa peço:
   deixas que volte-me a ti?

A voz sorri,
desce,
calça as havaianas,
abre a porta
e, sorrindo, diz:
– Claro que deixo, filho...
   Não cochilei enquanto não chegaste.
   Eis ali tua cama quentinha, roupas limpas,
   e teu cachorro no quintal.

É triste a partida
sem a volta;
viagem só de ida.

Para quem nunca partiu,
dói menos...
mas não há nada igual
a pisar o chão de casa
e perceber, num sorriso,
que as raízes ainda estão lá,
fincadas,
nutridas,
profundas,
entrelaçadas,
robustas,
doídas
e fortalecidas.


Rio de Janeiro
17 de dezembro de 2009

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

espiral

André Coelho




Gosto da espiral:
vai, vai, vai...
até que chega na mesma direção,
mas já em outro ponto,
e recomeça.

Não vive ciclos,
porque não volta;
mas está sempre sobre um ponto anterior.

Gosto da espiral
porque me faz pensar no começo,
no meio do caminho
e que tanta coisa
meio que se repetiu
(mas nem foi bem assim).

Apenas gosto da espiral.


Rio de Janeiro
28 de janeiro d 2007

Oi Noites Cariocas

André Coelho




Chuva me endoida:
fecho os olhos apertado;
estou em Belém!
E consigo enganar-me
por alguns minutinhos
até que o funk recomeça
no bar em frente ao prédio
e digo, estarrecido:
"Oi, noites cariocas!"

Estácio, Rio de Janeiro
28 de janeiro de 2007

pensamentos úmidos

André Coelho




- A chuva apascenta meu mormaço.

- Meus dias quentes não podem ser secos, porque sou peixe.

- Gotas me brotam paz.

- Chuva, pra mim, é Belém.

- Peixe... peixe-boi? Rs...

- "Tempo bom" é definitivamente relativo.


Rio de Janeiro
2007

rua manoel barata

André Coelho




Acho que o maior barato de andar pelas ruas
é fingir que me perdi,
e perder-me, mesmo,
sem medo de me encontrar.
Examinar as casas antigas
e achar engraçado quando os outros param para olhá-las;
tomar uma água-de-coco,
comentar com alguém sobre o clima
e então voltar,
satisfeito como um cachorro
que no fundo sabe o caminho de casa.

Estácio, Rio de Janeiro
28 de janeiro de 2007

de fazer poema

André Coelho




Fazer poema
não me enternece,
não me arrebata,
não me delira.

Fazer poema, para mim,
é escrever como eu sou.
Fazer poema sou eu.

O que eu canto
importa menos.
Importam menos
meu amor, a minha dor,
se eu não puder escrever.

É quase como apenas ser.


Rio de Janeiro
28 de janeiro de 2007

bonôti

André Coelho

para Aracéli


quem me faz bem é você,
que pouco me conhece,
mas me ama como quê!

será que meus segredos
são, assim, assustadores?
sei, já tens os teus temores
e temo te encher de "dedos".

será que corações cansados,
um ao outro, apascentam?
tornar-se-ão apaixonados?

não é tão difícil se crer,
se foi Deus quem nos uniu,
três dobras instituiu
nos cordões desse nosso viver.


Rio de Janeiro
2007

poeminha (perneta) para a lua

André Coelho




para Lua

queria fazer um poema
que coubesse no aviãozinho de papel
pra eu enviar à Lua
meu pensamento.

queria ser um poeta,
desses que já são cometas,
pra eu enviar a Lua
meu poeminha perneta.

queria ser a índia Jaci,
na margem das águas noturnas,
pra me tornar em Lua,
e em forma de flor subsistir.

quisera ser o são Jorge,
belo, valente, sem medo,
pra acabar duma vez com o dragão
e namorar a Lua em segredo!


Rio de Janeiro
22 de novembro de 2006

encontrei um caderninho perdido




que bela surpresa de repente abrir uma caixa e encontrar um caderninho de poemas perdido!

(ou será um caderninho de poemas perdidos?
não sei ao certo, o fato é que encontrei.)

alguns deles, vou publicar aqui.
outros já foram publicados a quem de direito.
óscls

de três

André Coelho




Sábio
que cala
na noite:
perdura
vergonha
dos dias
que esquece
da vida;
e canta
abatida
a alma
do sábio
que fala
dos dias
que cala,
vergonha
da vida.


Rio de Janeiro
11 de agosto de 2006
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