quarta-feira, 19 de março de 2008

croqui po-e-tal

André Coelho

(à Flor que um dia me empoetou)

A você, pequenina,
que inventou minha poeteza,
mando beijo, mando chuva,
jasmineiro florido, anu,
lua cheia (que beleza!)
e doce de cupuaçu.

A quem de meu siso fez um riso,
a quem do pranto fez um canto,
mando agora, sem espanto,
este versinho de improviso.

A quem fez-me sorrir um dia,
embevecer-me n'alegria
de sorrisos virtuais,
mando de volta, sem demora,
breves croquis poetais...

...e meus muitos sonhos,
em rascunhos e canetas
cada vez mais pernetas.


Estácio, Rio de Janeiro
19 de março de 2008


GLOSSÁRIO

anu: pássaro preto de porte médio, muito comum na região Norte, que gosta de andar nos gramados e capoeiras a procura de insetos. também chamado de anun.

cupuaçu: fruto da região Norte, de porte grande e sabor azedo, muito apreciado pela versatilidade na preparação de sucos, sorvetes e doces.

croqui:
espécie de rascunho de um desenho de arquitetura.

esperta

André Coelho
(para Tamara Ângelo)

Uma conta,
uma cor,
uma flor.

Um jasmim,
um jardim...

Cada verso
que tentei,
não coube
o tamanho
da flor,
da conta
que canto.

Por isso,
sem espanto;
pouco pranto,
nem tanto,
deixo beijo,
beija-flor,
à rosa esperta
que um dia me fez assim,
poeta.


Estácio, Rio de Janeiro
26 de outubro de 2005

sábado, 8 de março de 2008

tabatinga

André Coelho

uma mulher quebrou-me em pedaços;
os homens pisaram;
e virei farelo piracuí.

o vento – aquele
que não se sabe de onde vem
nem para onde vai,
mas se ouve a sua voz –
bateu forte
e misturou meu pó na terra,
de onde vim.

choveu
e fui parar no igarapé
com pitiú de cobra.

mas um homem,
aliás, o filho do homem,
achou-me ali,
suja tabatinga
com restos de folhas
e ferpas de madeira.

e agora me olha enternecido,
como a cadela à sua cria,
e (meu Deus!) limpa-me
e pergunta se quero ser vaso.
e pergunta se quero ser vaso.
e pergunta se quero ser.
e pergunta se quero.
e pergunta.

quanto tempo suportarei em silêncio?


Rio de Janeiro, RJ
2006


GLOSSÁRIO

piracuí: farinha de peixe – o peixe é salgado e seco ao sol, e depois apiloado; o processo é muito comum nas populações e cidades do baixo rio Amazonas; o peixe comumente usado é o Acari, mas também pode-se fazer com carne de jacaré.

igarapé: pequeno rio amazônico; não confundir com riacho.

pitiú: cheiro forte, impregnante, normalmente de peixe. a expressão é indígena e muito usada entre os nortistas, podendo referir-se também ao cheiro de cobra, ovo cru, e odores do gênero.

tabatinga: uma espécie de argila branca, encontrada em muitos igarapés.

terça-feira, 4 de março de 2008

triste humor profético

André Coelho


Sim, confesso saudades do Rio
e das praias sem fim
de Tom Jobim.
Mas tenho cravados cá em mim
outros céus,
cheios de nuvens,
cheios de suor e chuva.

Não sei quanto tempo sobrevivo desta vez
às loucas estações do tempo carioca
(quase me fizeram trocar de pele ano passado);
a cidade enorme e insólita
me causa assombro
e me torna ríspido.

Assombrado fico também
ao de repente me ver sem Belém.
Ai, Deus, que dor no peito é esta?
Não quero ser estrangeiro
e não vou ser.

(pausa)

Mas quando, enfim, vier o que é frio,
então o mundo vai olhar para a linha do Equador.


Escrito em 27 de fevereiro de 2006, a bordo da Gol, sobrevoando Minas Gerais depois de meu primeiro retorno a Belém.

Postado hoje, quando estou a 1 dia de completar 3 anos de chegada ao Rio.
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